segunda-feira, 11 de junho de 2012

leiam, muito bom.

Não. Sei que eu disse o que eu disse. Mas a verdade é que não tomei aquele café sozinho. Eu menti, e agora você já sabe. Por quê? Quem era ela? Há quanto tempo a gente vem saindo juntos? Isso realmente vai fazer alguma diferença?

Tudo bem, você já descobriu o que tinha para descobrir, que eu estava com outra pessoa. Tudo bem, eu confirmei. Agora você quer o quê, que eu roteirize a sequência de cenas que nos levaram a beber um café juntos? Eu menti porque, sei lá, seria estranho contar a você que eu conheci uma pessoa, que essa pessoa se tornou uma amiga, que essa amiga queria bater um papo informal e me ligou perguntando se eu poderia estar lá tipo umas sete da noite. Eu menti porque você – sendo você – projetaria milhões de medos e fantasias e paranoias e fantasmas do passado em cima de um acontecimento tão trivial. Eu menti porque eu sabia que você faria essa tempestade de lágrimas e acusações infantis. Eu menti porque podia visualizar você dizendo “É assim, é? Eu também vou me encontrar com amigos-homens escondida, vamos ver o que você acha disso!” e toda essa lenga-lenga. Eu menti porque eu sei como você é.

Tem certeza que você quer saber de tudo? Então você vai ouvir. Boa notícia: nunca rolou nada entre nós. Má notícia: (e talvez uma onda gelada tome conta do seu corpo, do estômago ao crânio, mas) eu gosto da companhia dela. Não sei dizer. Ela tem a alma fresca, tudo com ela é fácil e leve e inusitado, não preciso usar a frase “desculpa, é que eu sou muito imaturo” a cada cinco bobagens que digo, pelo contrário, ela ri dos meus gracejos ao invés de me censurar. Esses dias achei uma gravação caseira do Kurt Cobain, só voz e violão, e ela achou incrível. E achei incrível também, não o fato em si, mas por ter alguém para mostrar essas coisas que você pensa que é bobagem. Você sabia que ela traduziu a carta de suicídio do cara e... bem, provavelmente você não quer saber isso. Foi mal, perdi o fio da meada. Você vai dar na minha cara com essa revista, não vai?

Entenda, a gravidade da situação é só uma questão de perspectiva. Para você é o fim, ou o começo de uma tormenta nupcial se aproximando, mas pra mim é só uma amiga. Sei o que você vai falar, que Freud escreveu que, inconscientemente, fazemos amizade com as pessoas com quem iríamos pra cama, mas não vamos meter essas baboseiras do seu trabalho no meio disso, pelo menos uma vez. Quero me desculpar contigo, mas não exatamente qual o erro que cometi, além de, você sabe, ter mentido que estava sozinho.

Bom, obviamente, você não está muito a fim de encerrar essa discussão. Quer mais, mais perguntas, mais aracupas, mais chormumelas, mais queixas, mais berros. Você quer dissecar o incidente, entrar no quem-falou-o-que-pra-quem, saber se ela é bonita, se ela é divertida, se está entre os onze apreciadores nacionais das produções do John Waters, se tem uma tatuagem, se ela ilumina os lugares onde está, se eu me sinto remotamente atraído por ela. Você quer as respostas, e eu tenho todas elas, claro que tenho, e sei que você não gostará nem um pouco de nenhuma delas, e que minhas afirmações não levarão o ocaso do nosso relacionamento a lugar algum, nenhum lugar divertido ou prudente ou conclusivo, ao menos. Essa outra pessoa que conheci não é a doença, apenas mais um sintoma de que não estamos mais nos entrosando bem.

Sei lá. Você está sempre ocupada. Seus pacientes, seus alunos, seus colegas de trabalho, seus prêmios, suas viagens, suas graduações, suas condecorações. Talvez isso soe meio sexista, mas não faz mal, é como me sinto. Quem sabe você tenha algum nome que possa me diagnosticar, alguma sugestão de curso com o qual eu possa me orientar, algum colega na área disposto a me tratar. A realidade é que, enquanto você cintila por aí, eu me sinto estagnado, diminuído, depreciado, ultrapassado. Claramente você passou de fase, é isso é uma coisa boa, não é ruim. Não estou jogando a culpa na sua cara, e também não estou assumindo.

Apenas estamos diante das coisas como são, tentando fazer força para o controle voltar para nossas mãos. É como diz naquela canção pop, nada mais será o que foi um dia. Nosso maior erro, talvez, é sempre tentar recomeçar a partir de um fim. É difícil dizer isso, talvez não seja a melhor coisa do mundo ouvir – mas a verdade é que essa garota me fez sentir saudade do tempo em que nós tínhamos disponibilidade e, sobretudo, vontade de fazer coisas juntos, como se encontrar no fim do dia para a porra de um simples café, jogando conversa fora sem essa sensação de desperdício-de-tempo-e-saliva de quando a gente para pra debater algum assunto. E tem outra coisa, que eu acho que você merece saber. Faz quatro meses que voltei a fumar.


o texto veio daqui:
http://www.gabitonunes.com.br/2012/06/eu-menti.html#.T9ZrBrBfGo0